Desligou o candeeiro. Deitou-se.
Fechou os olhos. Começou a ver tudo com mais clareza.
Um fechar de olhos. Claridade. Contraditório? Não! Esquivou-se das doces
mentiras. Deixou esse abrigo para se alinhar com as custosas verdades. Agora
sim, ela conseguia observar a exatidão do lugar onde se tivera metido.
Percebeu que fez uma emboscada
a ela mesma. Mas podia ver... E via, com mais nitidez. Tudo agora era mais
limpo, mais percetível. Mau, mas percetível. Pior ainda do que alguma vez
imaginara… Péssimo, negro, escuro, mas lúcido.
Agora, perdida nas realidades cruéis,
sabia que tinha que fazer alguma coisa. Restava-lhe sonhar. Mas sonhar não
seria a solução. Ela sabia, ela sentia… Iludir-se, também não estava nos seus
planos. Encarar as verdades frias pela frente? Era horrível… Preferia as
mentiras suaves em que se afogava durante o dia…
A Noite não lhe dava um minuto
de descanso. À noite ela era um bebé acabado de nascer, nu, frágil e com
pensamentos que a levavam a sentir-se um tanto ou quanto endiabrada. A Noite trazia-lhe
pesadelos, mesmo enquanto acordada. A Noite, era esta, porém, a sua melhor amiga.
Ela sabia que a Noite nunca a iria abandonar. Portanto, segura do seu estado de
sanidade, podia estar. A Noite era certeza… Certeza do que sentia, do que
tinha, do que queria receber, do que poderia dar... A Noite trazia-lhe a certeza de si própria. A Noite, era esta, a exatidão na sua mente, o
renascer quotidiano da sua alma. A Noite… Ela só queria a Noite. Gosto ténue de
se martirizar.
As horas passavam, começava a
amanhecer. Chegava o sono. Mas tinha que se levantar. Vestia-se e punha a
máscara. Agora era de dia. E estava tudo bem! Apesar dela não saber o que era tudo. Apesar dela não saber o que era o bem... De mente artilhada, de face
renovada. Lá ia ela com o seu pior inimigo. O Dia. O Dia, onde ela sentia que
por alguma obrigação tinha que andar, com os olhos abertos, embora estivesse
descolada dos sítios por onde passava. Acordada de corpo, adormecida de alma.
Olhos abertos, sem ver palmo a frente. Robotizada, entrelaçada em enganos de
último acaso…
- Mas que raios... Nunca mais é noite! – dizia ela.